terça-feira, 4 de agosto de 2015


Contos Urbanos - Parte 2 - A espera
Carla Pepe 


E lá estava ela se arrumando, dessa vez numa demora sem fim, parecia que o espelho lhe dava ordens contraditórias. Essa blusa, essa saia, aquela calça. Qual cor de lingerie?! Os brincos, o anel, a cor do batom. Tudo fazia sentido e ao mesmo tempo lhe deixava ainda mais insegura. Talvez porque insegura estivesse sua alma. Sim, porque a coragem da pergunta tinha desvanecido no instante seguinte ao fechar das portas dos metro-vagão-boiada. Talvez porque se ele visse suas marcas, suas rugas, sua flacidez, suas celulites -desistisse e nunca mais voltasse. No entanto, o que ela tentava esconder mesmo, eram as celulites da alma, a flacidez de seus próprios fantasmas. Por isso, todo aquele esmero na produção, para trair o olhar.

E ele? Ele tinha um jeito despreocupado usando um jeans desbotado, camiseta rolling stones surrada e tinha uma  playlist sempre plugada. Ele vinha se esgueirando pensando no suposto convite, na coragem daquela mulher tão séria, mas ao mesmo tempo, tão corajosa e ousada. Desde a primeira vez que a viu, ele a achou tão bela como flor em botão. Talvez por isso, esgueirava o olhar sempre que ela entrava na composição, como se dela conseguisse extrair o perfume. Mas ele só parecia despreocupado, porque internamente tinha uma mente em ebulição repleta de inquietudes. O que fazer diante dela? Beber café? Que café pedir? Segurar sua mão? Ouvir sua voz e falar de sua vida. O que ele poderia contar da sua tão enfadonha vida de trabalhador-gado-estressado-assalariado que pudesse satisfazer tão fina criatura. Nos últimos tempos, andava mesmo ele estressado, querendo ficar calado no seu canto do metro-vagão-boiada.

Ela saiu apressada do trabalho. O dia tinha sido puxado. Muitos hangouts e relatórios para responder. Na saída, sempre alguém querendo resolver alguma coisa e ela olhando o relógio do celular. Tinha dessa vez uma razão para não perder seu horário. Lá foi ela esbaforida, mas não sem antes passar pelo banheiro, borrifar umas gotas do seu perfume favorito e passar seu batom cor de carmim. Deu uma alisada na saia e na blusa, empinou o peito e seguiu cheia de confiança.

Já ele saiu cabisbaixo, estressado, chateada, calado. O dia também tinha sido difícil. Como todo dia é sempre mas alguns são mais do que outros. E hoje ele só queria ir para casa, ver televisão e dormir para ver tudo acabava mais rápido. Mas tinha o café...Seria só um café mesmo? Ou a promessa de algo mais? O que haveria a oferecer?

A estação estava lotada como sempre. Gente indo e vindo. Criança chorando (quem trazia criança naquele horario no metrô!!!). Tinha gente de todo tipo. Ela ficou ali em pé, próximo ao seu lugar de sempre olhando para os lados esperando ele aparecer. Ele estava atrasado. Ela mordeu o lábio levemente e ficou ali sem saber o que fazia. O tempo foi passando e algo lhe dizia que ele não viria. Seus olhos ficaram cheios de lágrimas como se ali coubesse toda sua dor. Mas ela, de dentro de si veio uma força que ela desconhecia, e o  medo, a incredulidade foram substituídos pela brabeza. Ela ficou furiosa. E tomou uma decisão...E seguiu...

Num canto do metrô, ele assistia a cena, covardemente escondido num canto já não se sentia despojado, mas triste, por ter deixado aquele momento passar. Mas de uma coisa ele tinha certeza o olhar que um dia o capturou continuava ali e, naquele dia ao ver a brabeza daquela mulher, ele viu a flor de botão começar a abrir. E ele tomou uma decisão...e seguiu...



Aguardem a parte 3


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